Festival de Cinema de Veneza já abriu, este ano sob o signo da guerra e do western spaghetti.
"Por um Punhado de Dólares" foi o filme que lançou um género. Filmado em Espanha, com actores europeus e apenas um americano. Num estilo mais violento, mais sujo, Leone, relançava um género novo de western ao mesmo tempo que dava a machadada final no velho estilo clássico. A cópia restaurada deste que foi o primeiro da trilogia dos Dólares, vai ser um dos grandes momentos da edição deste ano do Festival.
Quentin Tarantino(nem podia ser outro) é o responsável pela escolha de cerca de 30 películas do género a ser exibidas durante o evento.
«Um primeiro olhar sobre a programação do Festival de Veneza, que se realiza entre 29 de Agosto e 8 de Setembro. Nomes sonantes, entre os quais os portugueses Canijo e Oliveira, preparam-se já para a Laguna de Veneza.
Metade dos 22 filmes em competição na 64ª edição do Festival de Veneza, segundo as estatísticas feitas no pósanúncio do programa, é inglesa ou americana - mas traz consigo "uma grande dose de liberdade", garantiu Marco Muller, o director do festival, na conferência de imprensa em que anunciou o "cast" para esta edição. No entanto, faça-se uma panorama geral sobre a programação, e a Ásia, a paixão cinematográfica do próprio Muller, destaca-se.
Realizadores para a Laguna de Veneza, então, entre 29 de Agosto e 8 de Setembro: em competição, Peter Greenaway, Eric Rohmer, Nikita Mikhalkov, Jose Luis Guerrin, Youssef Chahine, Ken Loach, Brian de Palma ou Paul Haggis - os dois com filmes sobre a presença americana no Iraque, respectivamente "Redacted", "puzzle" de histórias sobre soldados americanos no conflito e sobre a cobertura mediática, e "In the Valley of Elah", em que Tommy Lee Jones e a mulher, Susan Sarandon, procuram o filho que regressou do Iraque e desapareceu.
Ou Kenneth Branagh, que mostrará se há mesmo utilidade em fazer um "remake" de "Sleuth". Desta vez, Harold Pinter trabalha a peça de Anthony Shaffer que servira em 1972 a um exercício sobre o jogo e a manipulação realizado por Joseph L. Mankiewicz. Nesse filme, labirinto mortal entre um homem e o amante da sua mulher, as personagens eram interpretadas por Laurence Olivier e Michael Caine; agora Michael Caine repete e entra Jude Law.
Heath Ledger, Christian Bale, Richard Gere ou Cate Blanchett... todos eles fazem de Bob Dylan em "I''m Not There", de Todd Haynes. Também estão no "cast" Charlotte Gainsbourg, Julianne Moore ou Michelle Williams, mas o que fazem não se sabe bem, porque o filme, um dos mais apetecidos do programa, é uma incógnita. Segundo declarações da produtora Christine Vachon, esta biografia "inspira-se na música de Dylan e na sua permanente habilidade de se recriar e reinventar" - e para os conhecedores da obra do compositor, o título do filme é todo um programa de culto, já que se refere a um dos mais famosos "outtakes" da carreira de Dylan, uma canção que ficou de fora do álbum "The Basement Tapes" e que nunca foi editada oficialmente, podendo só ser ouvida em "bootlegs". Depois do seu (famoso) acidente de moto, em 1967, Dylan reuniu-se com os The Band numa casa em Woodstock, em sessões que não tinham como destino a edição, apenas o encontro musical. Mas essas sessões tornaram-se de tal forma míticas, que começaram a proliferar os "piratas". De tal forma, que a Columbia acedeu a editar um disco oficial, em 1975. Mas de fora ficou "I''m not there", que nunca mais foi tocada por Dylan fora das sessões para "The Basement Tapes".
Outro americano em Veneza, Wes Anderson, foi à Índia com os habituais Owen Wilson e Jason Schwartzman, que se fazem acompanhar desta vez por Adrien Brody. O resultado é "The Darjeeling Limited": três irmãos atravessam a Índia de comboio, tentando fortificar os laços afectivos - como é que se dará o universo cristalizado de Anderson em contacto com uma explosiva e estranha paisagem? (Wes Anderson tem outro filme no festival, fora de concurso, a curta "Hotel Chevalier", com Jason Schwartzman e Natalie Portman).
Ang Lee, dois anos depois de ter ganho o Leão de Ouro em Veneza com "O Segredo de Brokeback Mountain", regressa à competição do festival e regressa a casa, à China. "Lust, Caution", produção rodada em Xangai, é passada nos anos 30/40, é um "thriller" de espionagem e uma história de amor entre uma nacionalista chinesa e um oficial de um Governo "fantoche", "apoiado" pelo Japão.
Mais Ásia na competição: "The Sun Also Rises", de Jiang Wen (o director do festival, na conferência de apresentação do programa, falou do filme como "a primeira sátira chinesa ao estilo Emir Kusturica"), "Help me Eros", de Lee Kang Sheng (o realizador é o actorfétiche do cinema de Tsai Ming-liang), "Sukiyaki Western Django", de Takashi Miike, homenagem ao "western spaghetti" (e vejam quem está no genérico como actor: Quentin Tarantino; ou seja, mais "grindhouse"...).
Mais Ásia fora de competição: "Glory to the Filmmaker!", de Takeshi Kitano, que prosseguirá a veia autoreferencial e auto-analítica do anterior (e ainda não estreado em Portugal) "Takeshi''s" - que já era uma espécie de "Oito e Meio" do cineasta japonês. E, tal como o anterior, as primeiras reacções a "Glory to the Filmmaker!" dizem que é um filme reservado a aficcionados (dizem isto de uma maneira bem menos circunspecta, do género "que raio anda Takeshi a fazer?..."). E Ásia ainda na secção competitiva alternativa (com júri diferente daquele que atribuiu o Leão de Ouro) chamada Horizontes: "Useless", o novo documentário de Jia Zhang-Ke (o vencedor do Leão de Outo do ano passado, com "Natureza Morta"). É nesta secção que encontramos o último filme do japonês Shianji Ayoama, ou o documentário de Jonatham Demme "Man from Plains" - um retrato do ex-presidente norte-americano Jimmy Carter -, ou "Mal Nascida", de João Canijo, um filme, segundo a sinopse, sobre "uma mal nascida, uma mal amada e a eterna viúva do seu pai", que prosseguirá a viagem do realizador pelo Portugal profundo.
O outro português em Veneza, Manoel de Oliveira, com "Cristóvão Colombo - O enigma", é exibido fora de competição, tal como os últimos de Claude Chabrol, "La Fille Coupée en Deux", e de Woody Allen, "Cassandra''s Dream", que, leia-se a sinopse, ameaça navegar nas mesmas águas da agonia moral do magnífico "Match Point" (2005): dois irmãos (Collin Farrell e Ewan McGregor), no Sul de Londres, e uma mulher entre eles que usa o seu poder de sedução, levando Farrell e McGregor ao crime.»
Vasco Câmara (PÚBLICO)